2006-05-24

Independência e comissões de serviço

Para assegurar a independência dos juízes, a Constituição da República Portuguesa prevê, designadamente, a seguinte incompatibilidade:

«Os juízes em exercício não podem ser nomeados para comissões de serviço estranhas à actividade dos tribunais sem autorização do conselho superior (...).»
(art. 216º, 4, da C.R.P.)


Uma das formas mais evidentes de fragilização da imagem dos juízes consiste, precisamente, pela integração de alguns em gabinete ministerial – ou em organismos dependentes de algum Ministério -.


O cidadão que, até então, era considerado independente, fica na dependência hierárquica, funcional ou política de um membro do Governo.


O cidadão que, até então, não tinha qualquer conotação político-partidária, passa a ser referenciado com certa área política.


Independentemente do mérito do desempenho concreto do magistrado judicial, em comissão de serviço, a população passa a confundir os juízes com os políticos – com prejuízo para os primeiros, atento o seu estatuto de independentes -.


Mais grave: em certas circunstâncias, certamente excepcionais, condicionadas por certa conjuntura política, a nomeação de magistrados judiciais para organismos dependentes do Ministério da Justiça poderá aparentar (para alguns), ou consubstanciar (para outros) um modo de colocação de «comissários políticos» insuspeitos, em lugares-chave.


A Bem da Justiça, que depende da credibilidade dos magistrados judiciais:


Tais perigos aconselham que não seja permitida, efectivamente, a nomeação de magistrados judiciais para comissões de serviço estranhas à actividade dos tribunais.

Sobretudo em certos contextos sociais e políticos.



Para reflectir.




1 comentário:

Informática do Direito disse...

Promiscuidade entre magistrados e poder político

O meu distinto Colega e Amigo Dr. Jorge Langweg colocou num blog de apoio a uma lista candidata a umas eleições da associação dos Juízes um post intitulado “Independência e comissões de serviço”, com o seguinte texto:

Para assegurar a independência dos juízes, a Constituição da República Portuguesa prevê, designadamente, a seguinte incompatibilidade:
«Os juízes em exercício não podem ser nomeados para comissões de serviço estranhas à actividade dos tribunais sem autorização do conselho superior (...).»
(art. 216º, 4, da C.R.P.)
Uma das formas mais evidentes de fragilização da imagem dos juízes consiste, precisamente, pela integração de alguns em gabinete ministerial – ou em organismos dependentes de algum Ministério.
O cidadão que, até então, era considerado independente, fica na dependência hierárquica, funcional ou política de um membro do Governo.
O cidadão que, até então, não tinha qualquer conotação político-partidária, passa a ser referenciado com certa área política.
Independentemente do mérito do desempenho concreto do magistrado judicial, em comissão de serviço, a população passa a confundir os juízes com os políticos – com prejuízo para os primeiros, atento o seu estatuto de independentes.
Mais grave: em certas circunstâncias, certamente excepcionais, condicionadas por certa conjuntura política, a nomeação de magistrados judiciais para organismos dependentes do Ministério da Justiça poderá aparentar (para alguns), ou consubstanciar (para outros) um modo de colocação de «comissários políticos» insuspeitos, em lugares-chave.
A Bem da Justiça, que depende da credibilidade dos magistrados judiciais:
Tais perigos aconselham que não seja permitida, efectivamente, a nomeação de magistrados judiciais para comissões de serviço estranhas à actividade dos tribunais.
Sobretudo em certos contextos sociais e políticos.
Para reflectir.

Naturalmente que saúdo a publicação dessa douta opinião, que defende solução idêntica à que já formulei várias vezes, sendo que a última o foi num post deste blog intitulado, como o presente “Promiscuidade entre magistrados e poder político”.
Nada justifica que se mantenham actualmente as práticas que já vêm do anterior regime político; durante a ditadura era normal que certos lugares (alguns directores-gerais e chefes de departamentos ligados à justiça) fossem preenchidos por magistrados; evidentemente que tais magistrados ficavam conotados com o regime, o que na altura não tinha o significado que tem hoje, pois não havia liberdade política e o Estado de Direito era uma ficção mal amanhada.
A ideia de existirem Juízes ligados ao poder político não provocava grande escândalo público, na medida em que o próprio poder político, designadamente a forma como era exercido, era em si mesmo um escândalo para qualquer cidadão desafecto ao regime.
Hoje, que vivemos (pretensamente) num Estado de Direito democrático, a questão tem que colocar-se de forma diferente: não é aceitável que um Juiz, seja ele qual for, seja conotado com um Governo ou uma maioria parlamentar – por isso mesmo é que no Estatuto dos Magistrados Judiciais consta uma norma que lhes veda o acesso a actividades partidárias de carácter público (artº 11º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pela Lei nº 21/85).
Não se compreende que essa proibição, que é consensual e não sofre contestações, seja torneada com a nomeação de Juízes para altos cargos da administração na dependência hierárquica de um Ministro ou de um Secretário de Estado, o que é negativo para todos os envolvidos (para o Estado, porque ganha um “funcionário” que não está preparado para o ser, estando rotinado para actuações independentes e não hierarquizadas, para o magistrado em causa, porque a sua independência fica para sempre posta em causa relativamente ao partido ou à maioria parlamentar com os quais se deixou envolver, e para a magistratura em geral, porque a sua imagem de rigorosa independência perante os outros poderes sai apoucada e menorizada publicamente, com evidentes consequências negativas na credibilidade da justiça).
Se se entender que certos cargos exigem a preparação e a isenção de um Juiz para o seu cabal exercício, então que se tenha a coragem de legislar nesse sentido, garantindo-se legalmente que este ou aquele cargo tem que ser obrigatoriamente exercido por um magistrado – pode ser o sr. A ou o sr. B, mas terá que ser um magistrado.
Isso faria toda a diferença.
No estado actual da democracia portuguesa (asseguro que não estou a ser irónico, mas apenas a tentar ser descritivo) – no estado actual da democracia portuguesa, dizia, a existência de magistrados em cargos da administração dependentes do poder político é inaceitável devido às enormes conotações negativas que inevitavelmente acaba sempre por implicar.

In Informática do Direito